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A turma de 2014 #3  –  As estruturas sociais não são inércias

[Por Jonas Pereira]

O jogo foi já bem tarde numa daquelas noites onde se sente que o inverno vem a caminho. E maior do que o fresco que se fazia sentir no campo 7 da cidade universitária era o frio que eu tinha na barriga. Tinha feito tudo segundo as regras, almoço com o capitão no Vitaminas & Sabores, uma ou duas horas de fingir que trabalhava na tese de mestrado, saída para o arco do cego onde a claque já estava em alvoroço e ensaiar a palestra ao telefone com a Sofia.

Tantas dúvidas, tanta reflexão e mal o jogo começou percebi que não havia como não ganharmos. Na nossa bola de saída, ouviram-se os jogadores da Nova em uníssono com gritos de guerra para nos pressionarem alto. O Marinho, capitão, olhou para mim imediatamente e gritou incrédulo, “Estás a ver o mesmo que eu? “. A verdade é que por sobranceria, identidade ou má estratégia eles acharam que era boa ideia pressionar-nos no nosso meio campo.

Ao fim de 20 minutos estava 2–0, que no fundo podiam ser mais. O resto do jogo arrastou-se numa ladainha de adormecimento como eu só podia ter sonhado e nunca nos saiu do controlo. Tirando aqueles 20 minutos iniciais, talvez a coisa mais marcante naquele jogo foi o discurso ao intervalo (os entendedores entenderão).

Recordando aquela noite percebo que foi um momento de viragem. Primeiro por ganharmos com algum conforto a um forte candidato. Mas também por percebermos que aquelas duas derrotas tinham sido uma eventualidade que nos tinha feito otimizar o processo em vez de o mudar.

Nas semanas de travessia de deserto fui posto em cheque e para sair dessas situações tive de inovar e criar processos sociais que nos dessem estabilidade. Comecei a fazer one on ones de quinze minutos com dois jogadores diferentes do plantel todos os treinos, desde o capitão de equipa até aos que ainda não tinham sido convocados.

Aprendi a ouvir as situações de todos e de que forma é que cada um sentia que contribuía para a evolução daquela estrutura social. E percebi que ao contrário dos sistemas físicos jugados pelas forças inerciais as estruturas sociais não são estanques. É difícil manter a coesão de uma estrutura social que não esteja em evolução, em crescimento, onde não haja ambição e esta sede de desenvolvimento individual que combusta a essência sinérgica do grupo.

Com este foco, comecei a preparar melhor os treinos, a ser mais progressivo, a procurar fazer com que cada indivíduo que saísse de casa numa noite chuvosa para ir treinar futebol, voltasse não só com a camaradagem e amizade que nos era característica, mas que voltava um pouco melhor jogador: um pouco mais evoluído na compreensão de uma situação do jogo, com qualidade de passe melhor, com melhor capacidade de cruzamento ou qualquer outra mais valia técnica ou mental que eu lhes pudesse passar.

Este foco criou um ciclo virtuoso incrível, com uma competitividade enorme dentro dos treinos que subia a qualidade dos mesmo a níveis que eu nunca tinha assistido no universitário e que mesmo no Marítimo tinha visto pouco.

E fomos crescendo, de vitória em vitória, ora no estádio de Honra, ora no campo 7, em fins de tarde chuvosos ou noites ventosas, com eternas promessas a tornarem-se certezas, miúdos tímidos a florescerem a liderança que se veria no futuro e até príncipes com fato de macaco e sujos de óleo.

Ganhámos todos os jogos até ao final de dezembro e passámos o Natal com a qualificação no bolso e sem calculadoras. Nesses últimos dias do ano ninguém o vocalizava, mas os olhares relatavam que o sonho, aquilo que alguns de nós tentavam há 5 ou 6 anos era efetivamente possível, naquele ano podia não acontecer, mas estávamos num ponto de maturidade onde não era preciso um milagre, estávamos prontos.

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