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A turma de 2014 #6 — Nem todos os bolos precisam de cereja

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Um ponto interessante de estar a viver um sonho é que enquanto o vivemos é muito difícil de assimilar o que se sente durante o mesmo, a excitação e o nervosismo, a inevitabilidade dos momentos decisivos e junções do destino toldam a mente e pelo menos para mim e para o meu pessimismo dificultam bastante o saborear.

Um dos momentos mais importantes da época é a classificação para o campeonato nacional, e nesse ano a nossa foi bastante natural, e não foi saboreada por causa da esperança de chegar à final, e depois de vencer. Depois desse objetivo e da festa é que caiu a ficha da responsabilidade de chegarmos ao campeonato nacional como campeões de Lisboa.

Os processos, ideias e identidade estavam definidos e o sucesso tinha sido alcançado, tínhamos agora de subir um nível. Nos últimos 3 anos, os que joguei, tínhamos saído nas meias-finais após uma vitória nos penalties nos quartos contra a FADEUP, nos quartos após uma derrota nos penalties contra a FADEUP, e depois na fase de grupos no ano em que as coisas correram menos bem.

Neste ano partíamos com a esperança e a responsabilidade que a qualidade no nosso grupo obrigava, mas com as incertezas que uma competição tão peculiar como o campeonato nacional implica. A competição começa com um grupo de 3 com jogos de 60 minutos onde um deslize pode custar o apuramento, e depois segue para um mata-mata com qualidades individuais e coletivas ao nível do futebol semi-profissional.

Numa manhã primaveril, quase um ano depois do início da aventura, e depois dos normais atrasos no aluguer das carrinhas partimos com malas e corações cheios de esperança para a Maia. Na minha experiência de liderança aparecia também um novo fator, liderar uma comitiva onde não tinha apenas de ser o líder no contexto desportivo mas no contexto social e de vida durante aquela semana. Nos meus anos como jogador tinha já assistido a fricções no contexto social que depois se notavam no campo, e tive sempre como prioridade que isso não acontecesse.

Como tinha acontecido ao longo da época, o apoio dos líderes do grupo ajudou bastante a que após o jantar e de uma cervejinha social nos fossemos todos deitar cedo e preparados para continuar o sonho.

Acordamos então com o primeiro pequeno almoço do que seria a rotina de uma semana que pela intensidade pareceu um mês, e partimos para o campo onde íamos defrontar a equipa da casa, o ISMAI, que nos presenteou com um curral em vez de um balneário. Empatámos 1–1, golo do Laureus Marinho após cruzamento do Cardoso, num jogo onde não podíamos perder contra uma equipa que seria uma das candidatas.

No dia seguinte, apesar de folgarmos de manhã e jogarmos à tarde, acordámos cedo e seguimos do ritual do pequeno almoço para irmos ver o outro jogo do nosso grupo. O resultado implicou que no jogo da tarde um empate era suficiente para nos apurarmos. Jogo esse que não começou de feição, e em jogos de 60 minutos entrar a perder era quase sempre sinal de derrota. Com uma alma e qualidade imensa conseguimos dar a volta com golos do Nascimento e do Romão para nos apurarmos para a fase seguinte.

Desde o início que gozávamos com o facto de se nos apurássemos teríamos a negra contra a FADEUP, e obviamente que isso aconteceu e não desiludiu. Mais uma vez começamos a perder e pressionamos a FADEUP que era sem dúvida um dos candidatos (se não me engano eram os detentores do título) e com o coração do tamanho do mundo, e após uma “conversa” na linha de fundo o Cardoso empurrou uma cagadinha como só ele sabe para o saco; 1–1 e penalties. Ora penalties já se sabe como acabam.

Estávamos agora na situação mais à frente que qualquer um daquele grupo tinha conseguido chegar, às meias-finais, e mediamos forças contra a Académica de Coimbra, uma sempre poderosa associação no contexto universitário. O Gil foi ver o jogo deles enquanto eu tratava da recuperação física das tropas e trouxe um relatório impecável para nos prepararmos para o desafio maior nas nossas carreiras no desporto universitário.

Já falei várias vezes nesta série sobre a analogia entre o futebol e a vida e sobre como os erros custam caro em ambos os contextos, e eu naquela manhã e após decidir com o Gil o conteúdo da palestra pré-jogo para a meia final cometi um que trago sempre com um aperto na barriga já passados 6 anos. No relatório que o Gil tinha feito para a meia-final ele comentou os perigos dos cantos ao segundo poste da AAC, e tínhamos acordado que na palestra íamos falar disso; com o entusiasmo não falei, e depois de sofrer primeiro um golo um bocado estúpido, e do Anjo ter feito um dos seus golos que ninguém sabe se foi de propósito acabamos por perder com um golo num canto ao segundo poste. Quem sabe o que aconteceria se tivesse dito, mas o peso carrego-o.

Não recordo uma desilusão atroz, foi triste, mas no momento da derrota acho que juntos percebemos que o que tínhamos vivido naquele último ano tinha sido tão espetacular que não havia como não sentirmos orgulho e felicidade pelo caminho que tínhamos percorrido. Perdemos ainda o jogo de 3º e 4º, mas houve pouca história e motivação, até porque história houve na noite em que uma irmandade incrível atacou a invicta, num clube com cheiro a mofo e carpetes na parede.

Era difícil para mim no início prever o crescimento que a decisão de tomar as rédeas da equipa me iria trazer e quão próximo me havia de tornar de um grupo de pessoas fabuloso que me suportaram e acreditaram na minha visão de os poder tornar bem sucedidos. Foi sem dúvida umas das melhores experiências da minha vida e guardo-os no coração já passados uns bons anos num cantinho especial onde se guardam os campeões. A minha visão sobre tantos temas mudou tanto que não consigo olhar para esta experiência como não sendo a minha própria história de “Coming of age”, onde me tornei adulto e capaz de analisar consequências, onde aprendi a mediar o equilíbrio entre uma liderança dura e a clemência.

Foi um ano com tantas emoções diferentes, desde farra da mais doida que se possa imaginar a horas e horas a ver vídeos e a ler sobre treino, de almoços e jantares de meinhos e circulação, de bolas paradas e peladinhas onde espero ter dado aos que me seguiram um ínfimo da felicidade que me deram a mim.

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